domingo, 29 de janeiro de 2012

O caminho transgênero, uma série

Fonte: Facebook

E por falar em Dia Nacional da Visibilidade Trans, achamos fundamental a proposta da Vivi, do excelente Por causa da mulher:

Faz certo tempo, venho pensando em falar sobre alguns aspectos da transgeneridade que considero importantes, numa tentativa de apresentar algumas ideias que me fizeram falta durante meu processo de descoberta, e que, ao menos até onde percebo, poderiam ajudar também outras pessoas. Estes aspectos são principalmente relacionados às normas sociais que, uma vez internalizadas, tornam angustiante a auto-descoberta enquanto pessoa trans (ou gênero-inconforme, que uso num sentido próximo a genderqueer), e às lutas externas por que a pessoa passa ao enfrentar estas mesmas normas sociais (rejeição social, violência, etc).

A ideia surgiu e se fortaleceu a partir da leitura do guia da Human Rights Campaign (HRC) chamado ‘Transgender Visibility – A guide to being you‘. É um documento super bacana, com orientações e informações sobre o processo de compartilhar e vivenciar a identidade transgênera (ou gênero-inconforme) com amigxs, familiares e sociedade, e meu propósito ao tê-lo em mente na preparação destes textos foi ter uma estrutura de temas a comentar e também trazer um pouco das minhas experiências e leituras relacionadas, especialmente no que diz respeito ao contexto brasileiro [notas 1 e 2].

Mais que tudo, pensei neste trabalho como uma possibilidade de demonstrar meu apoio e, quem sabe, alguma ajuda na vida de alguma pessoa transgênera ou gênero-inconforme — e espero incluir todas as individualidades marginalizadas (devido a sexualidade, raça, classe social, origem, etc.) sempre que possível, pois além de terem minha consideração visceral como irmxs de luta e aliadxs, o cerne de muitas de nossas angústias têm uma raiz comum, a inaceitação social em suas diversas formas e manifestações. Neste sentido, espero que a leitura dos textos possa refletir também sobre outras condições marginalizadas, para além do pensamento específico em relação à identidade de gênero.

E desconstruir e questionar esta inaceitação social é fundamental. Quantxs de nós, afinal, não sofremos por muito tempo sozinhxs, com tão pouco que nos legitimasse, despatologizasse, respeitasse, ou mesmo nos concedesse o direito à vida? Quantxs não foram vítimas da crueldade humana ao serem o que desejam-desejavam, ou mesmo ao serem vistxs como possuidorxs de desejos inaceitáveis — ainda que não o fossem, de fato? Quantxs de nós não pensamos ao menos uma vez, dadas as circunstâncias terríveis, suspender esta existência em constante questionamento dando cabo à vida? E, com tudo isto em mente, por quanto tempo teremos de suportar os discursos e práticas sociais, as instituições e as pessoas que perpetuam e mesmo exacerbam os mecanismos que levam tantas existências a tragédias pessoais gravíssimas?

Não nutro falsas esperanças de que erradicaremos a ignorância vil ou indiferente que a tantxs machuca e mata neste nosso tempo histórico, ou mesmo em qualquer tempo [3]. A proposta, entretanto, é trazer tanto o alento imediato quanto a consciência das dimensões sociais e políticas de nossos sofrimentos a quem está confusx com a incompatibilidade de nossos desejos mais íntimos (e, portanto, privados e soberanos) com as numerosas, coercivas e violentas normas sociais que nos rodeiam. Portanto, coloco-me humilde e encantada com a possibilidade de ajudar alguém aflito com as dinâmicas da identidade de gênero, e de ganhar umx aliadx na luta [4]. Afinal, para a superação dos elementos cisgeneristas, heterosexistas, classistas, racistas e especistas — entre outros –, precisamos ainda de muitxs lutadorxs e aliadxs. Se isto for alcançado em pelo menos um caso, terá valido muito a pena.

- Vivi

O que você está esperando?! Aproveita que é domingo e corre lá, lê a série toda!
:-)

E, se quiser aproveitar, dá uma olhada aqui no lindíssimo depoimento do Jack, do blog Minoria é a Mãe (já andamos fazendo propaganda deles aqui). Vale MUITO a leitura.

* * *

Notas:

[1]- Seria super legal que irmxs trans de outros países de língua portuguesa pudessem trazer suas perspectivas também.
[2]- Considerando que somente algumas pessoas sabem que sou trans no momento em que escrevo, e que minha percepção da transgeneridade somente se tornou mais forte há aproximadamente 4 anos (quando tinha 23 anos), há diversas limitações que sigo tentando superar através de conversas e vivências. Neste sentido, sei que provavelmente haverá omissões e erros que, espero, possam ser corrigidos, e se tornem aprendizado.
[3]- Tempos de muito sofrimento estão à espreita, possivelmente ameaçando a sobrevivência humana e de muitas outras espécies. Mas não se preocupem, que não existe nada ou ninguém para chorar nossa extinção: se não por que não passam de entes mitológicos, ao menos porque nem somos tão importantes assim — é até mais provável que gerássemos alívio com nosso sumiço.
[4]- luta que, diga-se de passagem, lutei muito pouco ainda. Houve um grande esforço de minha parte em uma luta mental de auto-aceitação e coragem, e só recentemente estou levando esta luta ‘para fora’.


Este post, como o anterior, "Um beijo para quem é trans!", é parte da Blogagem Coletiva no Dia da Visibilidade Trans, promovida pelas Blogueiras Feministas.

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